08 mar 2021 Fonte: Vários Temas: União Europeia, Igualdade de Género

A promoção da igualdade de género e empoderamento das mulheres e raparigas são dimensões incontornáveis de um desenvolvimento verdadeiramente justo e sustentável. Esta é uma ideia patente na Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustável que afirma que “realizar a igualdade de género e o empoderamento das mulheres e das raparigas contribui decisivamente para o progresso de todos os objetivos e metas.”
Os progressos são lentos e dispares em várias partes do mundo. A União Europeia está na vanguarda mundial no que toca à igualdade de género: 14 dos 20 países mais bem classificados à escala mundial em termos de igualdade de género são Estados-Membros da UE. Este compromisso da UE para com a igualdade de género materializa-se em vários acordos e tratados, e fundamenta-se na ideia de que igualdade de género é um valor fundamental da União.
O Dia Internacional da Mulher, que se assinala hoje dia 8 de março, é uma oportunidade importante para relembrar o papel da UE na promoção da igualdade de género, em particular no que toca à cooperação com os países parceiros.
A primeira Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 da União Europeia, que define as principais ações a realizar nos próximos 5 anos e compromete-se a assegurar que a perspetiva de género é integrada em todos os domínios de intervenção da UE, incluindo na dimensão da ação externa, data de março de 2020. O documento reconhece a desigualdade de género como um problema mundial e o combate à mesma como um objetivo central da ação externa da UE, anunciando o lançamento, ainda no ano de 2020, do 3º plano de ação para a igualdade de género e o empoderamento das mulheres nas relações externas.
Foi em novembro de 2020 que a Comissão Europeia apresentou o novo Action Plan on Gender Equality and Women’s Empowerment in External Action 2021–2025 (GAP III), que define o roteiro político e operacional da UE para a promoção da igualdade de género no mundo, através do combate às causas estruturais da desigualdade e de uma abordagem transformadora no empoderamento de mulheres e raparigas, nomeadamente aquelas que enfrentam múltiplas formas de discriminação.
Este é o terceiro Plano para a Igualdade de Género ao nível da ação externa da UE e foi considerado por várias organizações da Sociedade Civil, incluindo a Concord Europe, como um passo na direção certa especialmente no que concerne à abordagem às causas da desigualdade de género. A análise da Concord Europe deixa algumas recomendações para um maior impacto do GAP III, das quais se podem destacar o apelo ao Estados Membros para integrarem de forma sistemática a igualdade de género e os direitos das mulheres e raparigas no diálogo com os países parceiros, a necessidade de assegurar que o reporte sobre o GAP III por parte dos Estados Membro seja de qualidade e tornado público, e a importância de assegurar que o financiamento para organizações locais de direitos das mulheres aumenta significativamente. A Concord Europe, reconhecendo a importância do compromisso de assegurar que pelo menos 85% de todas as ações externas da UE tenham a igualdade de género como um objetivo significativo ou principal, e que 20% da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) seja dedicada a responder às causas das desigualdades de género com a priorização de ações em que a igualdade de género seja o principal objetivo, considera ainda que ter um objetivo de financiamento, em vez de número de ações, daria uma melhor noção da parte do financiamento da UE que contribui para a igualdade de género, e estaria mais alinhado com os marcadores de género do CAD/OCDE.
São vários os desafios à implementação do GAP III identificados pela Sociedade Civil – desde os sistemas de financiamento, aos mecanismos de envolvimento das organizações feministas de base. No entanto, a vontade política por si só é também um entrave no seio da União Europeia. E por isso mesmo, várias das recomendações feitas pela Concord apontam no sentido de os compromissos serem reiterados pelo Estados Membros nas Conclusões do Conselho, de forma a que todos os países estejam comprometidos com a implementação global do GAP III na sua ação externa. No entanto, em dezembro de 2020, três dos Estados Membros da União Europeia (Hungria, Polónia e Bulgária) recusaram-se a reconhecer o conceito de igualdade de género no documento, o que impediu a aprovação das Conclusões do Conselho. O desacordo sobre o termo estende-se a outras políticas europeias, em que países como a Hungria e Polónia, com governos de cariz nacionalista e conservador que aprovam políticas internas que põe em causa os direitos das mulheres e das pessoas LGBTI, exigem a eliminação do termo “igualdade de género” de vários documentos da UE.
As Conclusões do Conselho sobre o GAP III não são legalmente necessárias para que o Plano seja efetivado, mas a situação fragiliza a posição da UE como líder global na luta pela Igualdade de Género, como explica a Vice-Presidente da Concord Europe, Céline Mias, “a falta de Conclusões do Conselho do GAP III, a reação contra os direitos das mulheres e a igualdade de género dentro da própria UE, bem como a inconsistência na igualdade de género nos Estados-Membros e na Comissão, não são um bom presságio para o posicionamento da UE como líder global em igualdade de género, apesar dos seus vários documentos políticos e compromissos globais existentes.”
Ainda em dezembro, a Presidência do Conselho avançou com as “Conclusões da Presidência do Conselho sobre o GAP III”, no semestre de presidência alemã, apoiadas por todos os restantes Estados- Membros, que reafirmam a igualdade de género, os direitos das mulheres e das raparigas e o seu empoderamento como estando no cerne dos valores europeus. As referidas Conclusões relembram ainda que “A plena coerência entre a ação externa e interna aumenta a credibilidade da UE e contribui para melhores resultados e impacto, em conformidade com o princípio da coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável.”
O que se verificou no seio da União Europeia, com a falta de apoio unanime ao GAP III, é um alerta para o facto de os progressos em matéria de igualdade de género não serem inevitáveis nem irreversíveis. Para além do crescimento de movimento populistas e contrários aos direitos humanos a que assistimos, a própria pandemia de Covid-19 assume-se como uma ameaça clara aos progressos alcançados, com as mulheres a serem atingidas desproporcionalmente ao nível da perda de rendimentos, acesso à saúde e educação, aumento da violência de género, entre outras dimensões. Este desproporcional impacto não poderá de resto ser considerado uma surpresa, tendo em conta que a desigualdade de género é um problema estrutural nas sociedades, com manifestações em todas as áreas da vida social, económica e política.
A recuperação pós-COVID-19 é uma oportunidade fundamental para abordar as causas estruturais da desigualdade, e reconstruir sociedades mais justas e inclusivas. O progresso rumo a um mundo sustentável e justo está absolutamente interligado com a igualdade de género e o empoderamento das mulheres e raparigas em todo o mundo. Como afirma Maria Jose Moreno Ruiz, Gender Justice Director da Oxfam International “Apenas lutando pelos direitos humanos universais e garantindo que a representação equitativa e diversa de todos os géneros está no cerne de qualquer recuperação da COVID-19, podemos reconstruir melhor e transformar as nossas sociedades”.
A União Europeia, cujos valores e princípios se encontram ancorados na democracia e nos Direitos Humanos, tem um importante papel a cumprir na construção de um mundo onde todas as pessoas desfrutam dos seus plenos direitos ao bem-estar e à igualdade, livres da pobreza e da exploração - e, nesta visão, a igualdade de género é uma dimensão fundamental e transversal. Pois, se esta era já uma realidade objetiva, ela tornou-se ainda mais preponderante com o impacto de uma crise pandémica que relevou interdependências e aprofundou fragilidades e desigualdades: a luta por um mundo justo e sustentável só se concretizará com base numa agenda transformadora, com participação ativa dos cidadãos e das cidadãs, baseada na justiça social e na igualdade de género.
Este artigo foi produzido com o cofinanciamento da União Europeia. Os seus conteúdos são da exclusiva responsabilidade da Plataforma Portuguesa das ONGD e não refletem necessariamente as posições da União Europeia.
