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19 mar 2025 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Sociedade Civil, Igualdade de Género, Direitos Humanos, Cooperação para o Desenvolvimento, Cidadania e Participação, Advocacia Social e Política

Em 2025, celebra-se o 30.º aniversário da Conferência de Pequim, a Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, organizada pelas Nações Unidas e realizada em Pequim em 1995. Esta Conferência representou um marco fundamental na promoção da igualdade entre mulheres e homens e no empoderamento das mulheres. O principal resultado da Conferência foi a adoção da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim (PAP), documentos que estabeleceram compromissos claros para eliminar a discriminação com base no sexo e promover o empoderamento das mulheres. 

A PAP, identificou 12 áreas críticas que exigem a intervenção dos Estados e de outros atores com responsabilidade social, económica e política:(1) a pobreza; (2) a educação e a formação; (3) a saúde; (4) a violência contra as mulheres; (5) os conflitos armados; (6) a economia; (7) o poder e a tomada de decisões; (8) os mecanismos institucionais para o avanço das mulheres; (9) os direitos humanos;(10) os meios de comunicação social; (11) o ambiente;  (12) as raparigas e meninas. Estas áreas foram definidas como prioritárias para a ação governamental e para a sociedade civil. A avaliação a nível global dos avanços e conquistas decorrentes da PAP está atualmente a decorrer em Nova Iorque, de 10 a 21 de março, na 69ª sessão da  CSW /Beijing+30 (2025) - A Comissão para o Estatuto das Mulheres das Nações Unidas.

Não obstante os avanços alcançados nas últimas décadas em matéria de igualdade entre mulheres e homens (IMH), os direitos humanos das mulheres estão sob ataque. No discurso de abertura da 69ª CSW, o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que 

“ (...) os direitos das mulheres estão a ser cercados. O veneno do patriarcado está de volta - e está de volta com uma vingança: colocando entraves à ação, destruindo o progresso e transformando-se em formas novas e perigosas. As novas leis em vigor não foram acompanhadas de investimentos para as tornar efetivas no terreno; também não se basearam universalmente em normas e princípios internacionais de direitos humanos; as normas discriminatórias mantêm-se; a vontade política é frequentemente fraca... (...) o financiamento das organizações de defesa dos direitos humanos das mulheres registou uma queda abrupta; o espaço cívico está a diminuir; As e os defensoras/es dos direitos das mulheres enfrentam cada vez mais assédio e ameaças; em todo o mundo, os mestres da misoginia estão a ganhar força, confiança e influência; vemo-lo nas tentativas de esvaziar os direitos humanos e as liberdades fundamentais das mulheres, e vemo-lo nos líderes felizes por atirarem a igualdade aos lobos. " 

Nos últimos anos, várias organizações de mulheres haviam já denunciado o progressivo desinvestimento nas políticas de IMH, seja nos cortes financeiros, na progressiva criminalização do ativismo ou de práticas diretamente relacionadas com as mulheres, como o são os direitos sexuais e reprodutivos, ou a crescente falta de vontade política. Celebramos este ano a Conferência de Pequim, mas o espírito da celebração não é de crença no progresso, mas sim de apreensão pelo futuro dos direitos das mulheres, considerando os eventos mais recentes a nível político, em particular a extinção da USAID e a ascensão de lideranças políticas a nível mundial que se posicionam abertamente contra o empoderamento das mulheres. O aumento dos conflitos armados e ameaças à paz são atualmente um dos maiores perigos para a vida das mulheres, sobretudo quando persiste a exclusão de vozes de mulheres na resolução e mediação de conflitos com um investimento ainda exíguo em matéria da agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS).

A cada 5 anos, os Estados subscritores da PAP têm de apresentar um relatório de acompanhamento da implementação da PAP e Portugal apresentou o seu último relatório em 2024. Nele, o Estado português afirma que a IMH é uma clara prioridade em termos de políticas públicas e que a nível nacional se têm implementado inúmeras ações para eliminar a discriminação direta e indirecta com base no sexo, de forma a garantir que mulheres e homens possuem os mesmos direitos, seja na lei ou nos resultados, em todos os setores e a todos os níveis. 

Na área crítica 5 - As Mulheres e os Conflitos Armados, de destacar a aprovação do III Plano Nacional de Ação para a Implementação da Resolução n.º 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas 2019-2022 (PNA), cujas áreas estratégicas são: 1) o reforço da integração da agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS), bem como da perspetiva da igualdade entre mulheres e homens, na intervenção do Estado Português nos âmbitos nacional, regional e internacional; 2) a proteção dos direitos humanos das mulheres e raparigas e punição de todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas, incluindo a violência sexual; 3) a promoção da participação das mulheres e dos/as jovens na prevenção dos conflitos e nos processos de construção de paz; 4)  a promoção da integração da agenda MPS no trabalho das organizações da sociedade civil. 

Neste sentido, no âmbito maior da transversalização de género e igualdade entre mulheres e homens na Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (que contou com os contributos da Plataforma das ONGD na matéria), o Estado português compromete-se a: 1) incluir a perspectiva da IMH nos acordos de cooperação na área da justiça com os países da CPLP; 2) promover e apoiar atividades destinadas a investigar e punir casos de violência contra as mulheres, incluindo a violência sexual, em situações de conflito e pós-conflito, crises humanitárias e outras situações; 3) promover a discussão e o debate sobre o IMH no âmbito da Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos, que atualmente mantém uma linha de trabalho dedicada à igualdade de género, com foco nas vítimas de violência de género. No entanto, o PNA não tem dotação orçamental e o último relatório de monitorização disponível é de 2019. Em 2025, ainda aguardamos a aprovação do IV Plano.

A nível regional europeu, a última revisão foi elaborada pelo Comité da Sociedade Civil da CSW, em outubro de 2024, em Genebra, no qual participaram organizações da sociedade civil da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE). A Revisão destaca que o progresso continua desigual para mulheres e homens e que a discriminação contra todas as mulheres e raparigas persiste em todos os setores, agravada pela crise global múltipla que afeta desproporcionalmente as mulheres, empurrando muitas para a pobreza extrema. A região da UNECE inclui países com diferentes níveis de compromisso e envolvimento com a agenda MPS - atualmente, 78% dos estados da UNECE comprometeram-se a desenvolver e implementar PNAs sobre MPS, mas alguns não deram continuidade às atualizações ou a uma implementação abrangente, devido a dificuldades na alocação de financiamento suficiente e ao envolvimento limitado das organizações de mulheres e da sociedade civil para a implementação eficaz dos PNAs nos seus respectivos países. O Comité da Sociedade Civil para a região da UNECE demonstra a sua preocupação com a falta de cumprimento por muitos estados da agenda MPS, uma vez que continuam a existir lacunas e desafios na garantia da participação plena e igualitária das mulheres na tomada de decisões em todas as fases dos processos de paz, particularmente nas negociações formais de paz. Nos processos de paz liderados pelas Nações Unidas, as mulheres participaram em 80% dos casos, mas representaram apenas cerca de 16% do total de participantes. Esta percentagem tem vindo a  diminuir em dois anos consecutivos.

No continente africano, o relatório foi elaborado pela Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA). A análise do progresso da IMH em África revela avanços desiguais em diferentes domínios. As áreas de educação e saúde apresentam as melhorias mais consistentes, com taxas de paridade de género quase alcançadas na educação primária, secundária e terciária, bem como uma redução gradual na mortalidade materna e na fertilidade adolescente. No entanto, persistem desafios estruturais significativos em setores como a participação na força de trabalho, a divisão digital, a proteção social e a representação política. 

Em matéria de agenda Mulheres Paz e Segurança (MSP), os Estados-Membros africanos estão a integrar ativamente a Agenda nos seus Planos de Ação Nacionais. Nos últimos anos, muitos países africanos têm centrado a sua atenção na resolução não-violenta de conflitos, incorporando análises sensíveis ao género nas situações de conflito. As mulheres têm assumido papéis cruciais na construção da paz, tanto a nível local como regional, através de plataformas estratégicas como a Rede de Mulheres Líderes Africanas (AWLN) e a FemWise. Estes mecanismos têm promovido a participação ativa das mulheres em processos de construção da paz. 

O esforço que os países africanos têm feito, apesar das barreiras à liderança feminina nos cargos de decisão, para integrar as mulheres nos domínios da paz e conflitos e implementar a agenda da MSP, coaduna–se com a Declaração Política da 69ª da CSW, na qual os Estados reconhecem que se deve garantir plena, igual e significativa participação e liderança das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão e em todas as fases dos processos de paz e esforços de mediação, prevenção e resolução de conflitos armados, construção da paz, reconstrução pós-conflito e ação humanitária, como fator essencial para a manutenção e promoção da paz e segurança. Isto implica incentivar o desenvolvimento, implementação e financiamento de planos de ação nacionais, bem como o apoio a organizações locais de mulheres e construtoras de paz, na prevenção de conflitos, construção da paz e manutenção da paz. A Declaração reconhece igualmente que  as mulheres desempenham um papel vital como agentes de mudança e que a realização do pleno potencial humano e do desenvolvimento sustentável não é possível se metade da humanidade continuar a ser negada dos seus direitos humanos e oportunidades plenas. 

A Igualdade entre Mulheres e Homens é um pilar essencial para o desenvolvimento sustentável, a paz duradoura e a justiça social. A participação ativa e significativa das mulheres em todas as esferas da vida pública e política, particularmente nos processos de paz e segurança, não é apenas um imperativo político, mas um fator determinante para sociedades mais justas, pacíficas e resilientes. Portugal, como Estado comprometido com os valores da igualdade e dos direitos humanos, tem a responsabilidade de adotar uma agenda de Mulheres, Paz e Segurança robusta e ambiciosa na sua cooperação internacional e alocar o  financiamento devido. É fundamental que o país se destaque como um líder global ao colocar a igualdade entre mulheres e homens no centro da sua política externa, não apenas através de compromissos formais, mas por meio de ações concretas que garantam uma transformação real e duradoura

Para que este compromisso se traduza em resultados tangíveis, é essencial que as organizações da sociedade civil, especialmente as organizações de mulheres, sejam reconhecidas como parceiras estratégicas. Estas organizações desempenham um papel insubstituível na defesa dos direitos humanos, na promoção da paz e na resposta a crises humanitárias. Contudo, sem mecanismos adequados de financiamento e sem um apoio institucional consistente, a sua capacidade de atuação e de influência nas políticas públicas é severamente limitada. Garantir recursos financeiros adequados e sustentáveis para estas organizações é, portanto, uma condição indispensável para avançar na implementação da agenda MPS e na construção de sociedades mais igualitárias e pacíficas.

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