20 mar 2025 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD/CONCORD Europe Temas: Financiamento para o Desenvolvimento, União Europeia, Cooperação para o Desenvolvimento, Cidadania e Participação, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política

O mundo encontra-se numa encruzilhada, enfrentando uma confluência de crises – aumento das desigualdades, retrocessos democráticos, conflitos crescentes e os impactos cada vez mais intensos da emergência climática. A redução do espaço cívico, a persistente desigualdade de género e as vulnerabilidades agravadas dos Países Frágeis e Afetados por Conflitos (PFAC) prejudicam ainda mais a dignidade e a segurança humanas. Na sua qualidade de maior fornecedor mundial de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), a União Europeia (UE) tem uma responsabilidade significativa na abordagem destas questões interligadas, pelo que a definição do seu próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), a ter início em 2028, deve refletir o papel fundamental que a UE pretende (e deve) ter a nível global.
Considerando a importância da definição de um próximo QFP ambicioso e robusto, a CONCORD Europe - rede da qual a Plataforma Portuguesa das ONGD é membro - lançou um policy paper, “Shaping International Partnerships: Budgeting our Common Future”, que reflete a posição da organização para esta área e para os próximos Instrumentos de Financiamento Externo (IFE) da UE, analisando as consequências dos recentes cortes nas dotações, para a credibilidade da União enquanto ator global fundamental, e propondo estratégias para garantir que a UE continua a ser um parceiro empenhado e fiável.
Entre as principais recomendações da CONCORD Europe expressas no policy paper, destaca-se:
- a importância da criação de um instrumento financeiro separado para a cooperação para o desenvolvimento e uma rubrica de ação externa bem financiada
A UE deve manter um instrumento de cooperação para o desenvolvimento separado para garantir um financiamento previsível e a longo prazo para a redução da pobreza, a ação climática e o desenvolvimento sustentável. A fusão de instrumentos de ação externa enfraqueceria o enfoque estratégico da cooperação para o desenvolvimento, desviando recursos para a resposta a crises a curto prazo e para prioridades geopolíticas. Embora seja essencial uma maior coordenação entre a programação humanitária, de desenvolvimento e de paz, são necessários instrumentos de financiamento distintos para salvaguardar uma ajuda humanitária imparcial, uma cooperação para o desenvolvimento orientada e um apoio estruturado de pré-adesão. Um instrumento de desenvolvimento específico e elegível em termos de APD é crucial para defender o papel da UE como parceiro global credível e eficaz.
Para cumprir a sua meta de APD de 0,7% do RNB até 2030, a UE deve afetar pelo menos 200 mil milhões de euros ao longo de sete anos. Uma rubrica orçamental autónoma para a ação externa é essencial para garantir um financiamento previsível, transparente e suficiente, reforçando a liderança da UE no desenvolvimento sustentável e nas parcerias globais.
- A conjugação de uma abordagem flexível, mas garantindo previsibilidade
A luta contra a pobreza e as desigualdades exige um compromisso fiável a longo prazo, pelo que a previsibilidade no financiamento é crucial para o desenvolvimento sustentável, pois permite aos parceiros planear iniciativas sistémicas a longo prazo. A credibilidade da UE na cena internacional depende da sua capacidade de fornecer financiamento estável e previsível.
A flexibilidade é crucial para responder a crises imprevistas, mas deve estar sempre em conformidade com os compromissos internacionais da UE (e não à custa de compromissos a longo prazo).
- Distinguir modalidades de APD da UE e o Global Gateway
A UE deve concentrar-se no desenvolvimento de estratégias e modalidades de financiamento especificamente concebidas para prestar apoio onde este é mais necessário. Uma das mais recentes estratégias da UE, a Global Gateway, poderá abrir caminho, ao ser utilizada em contextos e áreas onde proporciona um claro valor acrescentado em termos de impacto no desenvolvimento humano e de adicionalidade financeira. No entanto, as modalidades utilizadas pelo Global Gateway não são adequadas para apoiar Países Frágeis e Afetados por Conflitos (FCAS) e Países Menos Avançados (PMA). Nestes contextos, a prestação de serviços básicos para satisfazer necessidades vitais é muitas vezes a prioridade mais urgente, juntamente com o apoio ao desenvolvimento social e económico das populações locais e, nestes casos, as subvenções devem ser priorizadas.
Embora reconhecendo as significativas lacunas de financiamento para alcançar os ODS, a UE deve garantir que a APD da UE não é instrumentalizada para fins que a desviem do seu objetivo principal, tal como definido pelo CAD da OCDE.
- A APD da UE deve basear-se em princípios e ter uma abordagem baseada nos direitos humanos
A utilização da APD da UE deve dar prioridade ao desenvolvimento sustentável e continuar centrada na redução da pobreza e das desigualdades e na promoção do bem-estar das pessoas nos países parceiros onde as necessidades são mais prementes, para que a APD da UE cumpra os critérios definidos pelo CAD da OCDE. Deve incluir uma forte perspetiva de igualdade de género e não deixar ninguém para trás.
- Importância do papel das Organizações da Sociedade Civil e de mecanismos de financiamento
A UE deve assegurar parcerias com uma diversidade de intervenientes, especialmente Organizações da Sociedade Civil (OSC). A utilização de modalidades de ajuda diversas e específicas aos contextos é fundamental para garantir uma ação externa e uma cooperação para o desenvolvimento eficazes. Para defender os seus valores, a UE deve apoiar a sociedade civil nas suas funções de implementação, advocacy política e monitorização. As OSC fazem parte da estrutura de todos os países parceiros e contribuem para capacitar as comunidades e abordar questões sensíveis como a governação, a desigualdade de género e a exclusão social. O sector da sociedade civil compreende o contexto, as necessidades e as prioridades das comunidades locais. Por conseguinte, a sua inclusão no planeamento e definição de programas e iniciativas deverá ser reforçada no próximo QFP.
No âmbito da construção do próximo QFP, a CONCORD tem trabalhado com o Parlamento Europeu (PE), tendo partilhado propostas de alteração ao relatório “BUDG INI Report on a revamped long-term budget for the Union in a changing world”, da Comissão dos Orçamentos do PE. Os esforços de sensibilização realizados pela CONCORD Europe foram bem sucedidos, tendo vários dos conteúdos das propostas de alteração sido incluídos pelo Relator Charles Goerens (Luxemburgo - Renew), como parte do seu Projecto de Parecer, elaborado no quadro da Comissão do Desenvolvimento (DEVE) do Parlamento Europeu.
Para garantir a participação das várias partes interessadas, designadamente dos cidadãos e das cidadãs, encontra-se aberta até 6 de maio, uma consulta pública sobre o próximo QFP, através da qual a Comissão Europeia pretende, no seguimento das Orientações Políticas da Presidente von der Leyen para a Comissão Europeia 2024-2029, criar um orçamento mais simples, mais centrado e ágil que reflita as prioridades estratégicas europeias. Para alcançar este objetivo, a Comissão lançará sete consultas públicas para recolher opiniões sobre como optimizar o orçamento da UE. As consultas abrangerão vários domínios políticos, incluindo a política de coesão, a agricultura e os assuntos internos, com o objetivo de criar um orçamento mais eficaz e eficiente que cumpra os objetivos principais da UE.
Saiba mais e aceda ao policy paper da CONCORD Europe aqui